Ausência de dano ao erário no aditamento contratual superior a 25%

Não há dano ao erário na simples extrapolação dos limites preconizados no art. 65, §1º, da lei 8.666/93, nos casos de aditamentos contratuais, especialmente nas hipóteses onde o serviço foi efetivamente prestado pelo contratado, com qualidade e preço compatíveis com o mercado.

 

A gestão de recursos públicos é algo que nem sempre se apresenta de forma simples e fácil de ser executada, sendo suas consequências, de igual maneira, algo bastante difícil de se avaliar e julgar.

O Tribunal de Contas da União, por sua missão constitucional, estabelecida no art. 711, II, da Carta Política de 1988, ficou incumbido da árdua tarefa de julgar as contas de todos os administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.

Neste cenário, todas aquelas situações onde o gestor encontra-se em um verdadeiro dilema para a tomada da decisão menos traumática ao erário, onde a interpretação da lei nem sempre é cristalina, também são transportadas para os ministros do Tribunal de Contas da União, que ainda devem se utilizar de todas as cautelas possíveis para não gerar precedentes que venham a ser inadequadamente utilizados em casos futuros.

Situação que merece uma devida atenção, dentro deste panorama, é aquela prevista no art. 65, §1º, da lei 8.666/93, que trata da limitação de 25% do valor contratado para o aditamento (seja para acréscimos ou supressões) de contratos públicos. Veja-se o que dispõe o normativo citado:

Art. 65. Os contratos regidos por esta lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

[…]

§ 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.

À primeira vista, não há qualquer dúvida ou possível polêmica, quando da leitura do comando, acima transcrito. Isso porque, a lógica do legislador foi correta, buscando evitar o mal planejamento, manobras para futuras contratações ilegais, etc.

Contudo, o direito não é algo exato. Em situações, por exemplo, em que fatos supervenientes impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial, é possível extrapolar o limite de 25% suso referido? Seria razoável forçar o erário a arcar com um custo superior ao que um mero aditamento traria, numa situação onde não houve falha de planejamento, má-fé, nem tampouco benefício indevido de quaisquer das partes?

Pois bem. Tal situação foi objeto de uma consulta analisada pelo TCU (Decisão 215/99– TCU – Plenário)2, onde restou estabelecido, em suma, que seria possível o excepcional aditamento superior à limitação legal de 25%, quando: 1) não acarretar para a administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório; 2) não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado; 3) decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial; 4) não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósitos diversos; 5) ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais econômicos decorrentes; 6) demonstrar-se – na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na lei 8.666/93 – que as consequências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja, gravíssimas a esse interesse, inclusive quanto à sua urgência e emergência.

Resta saber, agora, quais as consequências da prática do ato, quando não forem preenchidos os requisitos acima mencionados. Neste caso, haverá necessariamente dano ao erário, importando na condenação do gestor e do contratado ao ressarcimento? Entendemos que não!

Isso porque, em certas hipóteses, o acréscimo de serviços superiores a 25% do valor inicialmente contratado não traz dano ao erário, muito embora possa decorrer da falta de planejamento e má-gestão.

Explica-se. No caso de um aditamento onde o extrapolamento do limite decorra da falta de um planejamento adequado, mas o serviço seja prestado com reconhecida qualidade e com um preço similar ou até um pouco abaixo do estabelecido no mercado, não há prejuízo algo ao erário.

Note-se, que qualquer outra contratação, mesmo aquela decorrente de uma nova licitação, traria como expectativa para a administração pública, a contratação de um particular que prestasse serviços com um preço justo (adequado ao mercado) e com boa qualidade.

Tal objetivo, de fato, seria devidamente alcançado com o aditamento, mesmo que extrapolando o limite legal, não havendo porque se falar em prejuízo. Interpretação diversa, seria reconhecer a validade de um enriquecimento sem causa, para a administração pública, em detrimento do particular contratado.

Inobstante a isso, o gestor que não fez o correto planejamento pode ser punido com aplicação de multas e outras medidas. Tal entendimento fora reforçado pelo TCU, em voto prolatado pelo eminente ministro Augusto Sherman, nos autos do TC-025.312/2016-2, in verbis:

¨10. Cumpre esclarecer que, quanto à aditivação irregular do contrato, a razão para o acréscimo, segundo apontado pela comissão de sindicância do CFP, foi o fato de a contratação original ter previsto a participação de 12.000 pessoas no evento II Mostra Nacional de Práticas em Psicologia, enquanto que o número de inscritos ultrapassou os 25.000. Por consequência, teria havido a necessidade de aditivar os serviços contratados de forma a abrigar todos os inscritos. Os apontamentos da sindicância dão conta de que esse número de inscritos já era sabido antes da contratação, o que denotaria falhas no processo de planejamento dessa contratação. Todavia, em nenhum momento é mencionado que o contrato aditivado não tenha atendido ao público alvo do evento, ou que serviços previstos no aditivo não tenham sido prestados.

11. Muito embora a aditivação do contrato em percentual superior a 25% seja considerada irregularidade grave, por infringência direta a Lei de Licitações, o que, em princípio, implicaria a nulidade do ato e de suas consequências jurídicas, a jurisprudência desta Casa tem-se fixado no sentido de que tendo o objeto do aditivo sido executado não há dano, tendo em vista a possibilidade de enriquecimento ilícito da administração […].

12. Por essas razões, entendo que as irregularidades em questão devem ser objeto de audiência, e não de citação dos responsáveis, conforme proposto, nem necessidade de eventual conversão desse processo em tomada de contas especial¨.

(TC-025.312/2016-2, rel. min. Augusto Sherman. Julgado em 17.01.18).

A análise da matéria nos autos citados alhures resultou no acórdão 51/18-TCU-Plenário, que trouxe o seguinte enunciado sobre o tema:

Enunciado II:

Embora a celebração de aditivo em percentual superior a 25% do valor original do contrato seja irregularidade grave, por infringência direta à lei 8.666/93, o que deveria implicar a nulidade do ato e de suas consequências jurídicas, não há dano se o objeto tiver sido executado adequadamente, sob pena de enriquecimento ilícito da administração.

Portanto, conclui-se que não há dano ao erário na simples extrapolação dos limites preconizados no art. 65, §1º, da lei 8.666/93, nos casos de aditamentos contratuais, especialmente nas hipóteses onde o serviço foi efetivamente prestado pelo contratado, com qualidade e preço compatíveis com o mercado.

_____________

1- Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
[…]
II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

2- Decisão 215/99 TCU – Plenário
ministro relator: José Antônio Macedo

Trecho do Acórdão

”(…) responder à consulta formulada pelo ex-ministro do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (…) nos seguintes termos:
[…]
b) Nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, é facultado à administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos:
I – não acarretar para a administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;
II – não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;
III- decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;
IV – não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósitos diversos;
V – ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais econômicos decorrentes;
VI – demonstrar-se – na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea ”a” supra – que as consequências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja, gravíssimas a esse interesse, inclusive quanto à sua urgência e emergência”.
(Destaque nosso).

Andrei Aguiar é sócio-diretor do escritório Aguiar Advogados, presidente do CESA-CE e conselheiro da OAB/CE.

 

Publicado em: https://migalhas.uol.com.br/depeso/274449/ausencia-de-dano-ao-erario-no-aditamento-contratual-superior-a-25

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