Se a Administração Pública já empreendeu os esforços para realização de um procedimento licitatório, não fazia sentido se exigir de órgão similar, integrante da mesma esfera de Poder, o mesmo dispêndio de recursos para realização de outro certame, cuja contratação seria idêntica.
O Sistema de Registro de Preços – SRP se trata de um procedimento licitatório, que se efetiva por meio de pregão ou concorrência, para fins de registro formal de preços relativos a serviços ou bens, concedendo à Administração Pública, no momento em que entender oportuno, a possibilidade de futura contratação nos moldes do melhor preço registrado.
Segundo os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro1, ¨o registro de preços foi previsto no art. 15, II, da lei 8.666/93, como procedimento a ser utilizado preferencialmente para as compras efetuadas pela Administração Pública¨.
Isso porque, quando da criação da lei 8.666/93, que regulamenta os procedimentos licitatórios, fora consignado, no dispositivo supracitado, que as compras realizadas pela administração pública deveriam, sempre que possível, serem processadas através do SRP. Veja-se:
Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão
[.]
II – ser processadas através de sistema de registro de preços;
Ainda segundo a doutrinadora Di Pietro2, ¨o objetivo do registro de preços é facilitar as contratações futuras, evitando que, a cada vez, seja realizado novo procedimento de licitação. O fato de existir o registro de preços não obriga a Administração Pública a utilizá-lo em todas as contratações; se preferir, poderá utilizar outros meios previstos na lei de Licitações, hipótese em que será assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições com outros possíveis interessados (art. 15, §4o, da lei 8.666)¨.
Entrementes, inobstante à manifesta vontade do legislador de determinar a aplicação do SRP nos procedimentos de aquisição de bens pela Administração Pública, tal prática permaneceu por muito tempo carente de regulamentação por parte do Poder Executivo, o que esvaziava o conteúdo do comando acima transcrito.
Somente no ano de 2001, quando o Poder Executivo Federal resolveu disciplinar a matéria (decreto Federal 3.931/01, que posteriormente foi revogado pelo decreto Federal 7.892/13), concedendo-lhes as regras gerais, é que a utilização do SRP se tornou mais difundida, estudada e aplicada aos processos de aquisição de bens e serviços por parte dos entes federativos.
Importa destacar que a utilização do SRP também não obriga a Administração Pública a adquirir os produtos ou serviços cujos preços foram registrados. A bem da verdade, o documento vincula apenas o particular que participou do procedimento e registrou o seu preço, concedendo ao Poder Público a faculdade de escolher o melhor momento para efetivar o contrato, caso entenda conveniente.
O art. 2º, I, do decreto Federal 7.892/13, conceitua o SRP da seguinte forma:
Art. 2º […]
I – Sistema de Registro de Preços – conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras;
O escólio de Jacoby Fernandes3 traz-nos conceito semelhante, quando expõe que:
“Sistema de Registro de Preços é um procedimento especial de licitação quando se efetiva por meio de uma concorrência ou pregão sui generis, selecionando a proposta mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, para eventual e futura contratação pela Administração”.
Importante, nesta oportunidade, para uma melhor contextualização do tema, a abordagem da conceituação da Ata de Registro de Preços, que se trata do documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, onde se registram preços, disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas.
Neste exato sentido dispõe o art. 2o, II, do já citado decreto 7.892/13. Veja-se:
Art. 2o. [.]
II – ata de registro de preços – documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, em que se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas;
Com a regulamentação da matéria, através de decreto Federal, diversos entes federativos passaram a aplicá-lo, na íntegra, aos seus procedimentos licitatórios, mormente no que diz respeito à possibilidade de aproveitamento de atas constantes do sistema de registro de preços por outros órgãos e entidades da Administração não participantes do processo licitatório, bastando, para tanto, a demonstração da vantagem, da anuência da entidade que realizou a licitação (gerenciador) e do próprio fornecedor, nos exatos termos do então art. 22, do decreto 7.892/13:
Art. 22. Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador.
Tal figura jurídica ficou conhecida no linguajar coloquial como os chamados “caronas“, onde um órgão público “pega carona” na ata de registro de preço emanada de outro, seja da mesma esfera da administração pública ou não.
O TCU, desde o início, demonstrou a concordância com a prática, como, por exemplo, podemos encontrar já na publicação “Licitações e contratos: orientações básicas / Tribunal de Contas da União. 2.ed. Brasília : TCU, Secretaria de Controle Interno, 2003”, que dispôs o que segue:
“O preço registrado na Ata e a indicação dos respectivos fornecedores serão divulgados em órgão oficial da Administração e ficarão disponíveis para os órgãos e entidades participantes do registro de preço ou a qualquer outro órgão ou entidade da Administração, mesmo que não tenha participado do certame licitatório”.
Postas estas considerações iniciais, cabe trazer à discussão as inovações trazidas pelo decreto Federal 9.488/18, que alterou o decreto Federal 7.892/13.
Primeiramente, pode-se perceber que a simples demonstração da vantagem, da concordância do órgão gerenciador e do próprio fornecedor, não é mais suficiente para a adesão à ata pelos ¨caronas¨.
Isso porque, fora acrescido ao art. 22, do decreto Federal que regulamenta a matéria, o § 1º-A, cuja inteligência exige a realização de estudo, pelos órgãos e pelas entidades que não participaram do registro de preços, que demonstre o ganho de eficiência, a viabilidade e a economicidade para a administração pública federal da utilização da ata de registro de preços. Veja-se:
Art. 22. […]
§ 1º-A A manifestação do órgão gerenciador de que trata o § 1º fica condicionada à realização de estudo, pelos órgãos e pelas entidades que não participaram do registro de preços, que demonstre o ganho de eficiência, a viabilidade e a economicidade para a administração pública federal da utilização da ata de registro de preços, conforme estabelecido em ato do Secretário de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
§ 1º-B O estudo de que trata o § 1º-A, após aprovação pelo órgão gerenciador, será divulgado no Portal de Compras do Governo federal.
Como se verifica do dispositivo, a mera alegativa de que o órgão não participante terá vantagem na adesão, por não ter os custos de um procedimento licitatório, por exemplo, não atenderá mais ao comando normativo. Será necessário um estudo pormenorizado, que será divulgado no portal de compras do Governo Federal, demonstrando financeiramente qual o ganho efetivo.
Outra novidade trazida pela nova normatização diz respeito à limitação para adesão dos quantitativos dos itens registrados na ata. No decreto anterior, a ata de registro de preços poderia ser integralmente aderida pelo órgão não participante. O decreto Federal 9.488/18, por sua vez, trouxe um limitador de 50% (cinquenta por cento) dos quantitativos registrados, para adesão pelo ¨carona¨. Veja-se:
Art. 22. […]
§ 3º As aquisições ou as contratações adicionais de que trata este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cinquenta por cento dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes.
Redação antiga:
§ 3º As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes.
Não sendo só, a limitação referente ao quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços passou do quíntuplo para o dobro dos números registrados para cada item. Veja-se:
Art. 22. […]
§ 4º O instrumento convocatório preverá que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem.
Redação Antiga:
§ 4º O instrumento convocatório deverá prever que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem.
A hipótese prevista anteriormente na norma, apenas restou mantida para a hipótese de ¨compra nacional¨, sem, contudo, ter sido dado um conceito mais delineado do entendimento da nova modalidade. Veja-se:
Art. 22. […]
§ 4º-A Na hipótese de compra nacional:
I – as aquisições ou as contratações adicionais não excederão, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes; e
II – o instrumento convocatório da compra nacional preverá que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não excederá, na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem.
Percebe-se, da análise das mudanças apresentadas, um nítido interesse em restringir o uso das adesões às atas registradas por meio do SRP. Por óbvio que tal conduta decorre de eventuais excessos, porventura cometidos quando do uso do instituto.
Entretanto, não se pode olvidar do fato de que o objetivo principal da criação do sistema de registro de preços, preconizado pela lei 8.666/93, seria o de simplificar as contratações futuras, impedindo que, a todo momento, fosse realizado novo procedimento de licitação, imobilizando a gestão pública.
Ora, o raciocínio era lógico: se a Administração Pública já empreendeu os esforços para realização de um procedimento licitatório, não fazia sentido se exigir de órgão similar, integrante da mesma esfera de Poder, o mesmo dispêndio de recursos para realização de outro certame, cuja contratação seria idêntica.
Nesta esteira, certamente, o melhor caminho a ser adotado para que se evitem os excessos seria o estabelecimento de mecanismos que implicassem em uma maior rigidez no controle fiscalizatório, uma que vez a continuidade do caminho que vem sendo adotado (de restringir a utilização do SRP), acabará resultando na inutilização do instituto.
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1 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30a. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
2 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30a. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
3 Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de Registro de Preços e Pregão Presencial e Eletrônico. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006.
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Andrei Aguiar é sócio de Aguiar Advogados.
Publicado em: https://migalhas.uol.com.br/depeso/292788/o-registro-de-precos-e-as-inovacoes-trazidas-pelo-decreto-federal