Pregão eletrônico e as inovações trazidas pelo decreto 10.024/19

O novo decreto avança em questões importantes, trazendo mais segurança para as licitações realizadas na modalidade pregão eletrônico.

 

Em 28 de outubro do corrente ano, entrou em vigor o decreto 10.024/19, que regulamenta o pregão eletrônico para aquisição de bens e contratação de serviços comuns, no âmbito da administração pública federal.

De início, importa esclarecer que tal matéria era regulamentada através do decreto 5.450/05, cujas disposições foram expressamente revogadas, por determinação expressa do art. 60, do novo decreto 10.024/19.

A primeira modificação visível surge logo no início da nova norma, que deixou de utilizar o termo ¨preferencial¨, quando se refere à utilização da modalidade eletrônica do pregão, em se tratando da contratação de bens e serviços comuns decorrentes da utilização de recursos públicos federais, passando agora a expressamente determinar a obrigatoriedade da sua aplicação. Veja-se:

Decreto 5.450/05
Art. 1º Os instrumentos de formalização, renovação ou aditamento de convênios, instrumentos congêneres ou de consórcios públicos que envolvam repasse voluntário de recursos públicos da União deverão conter cláusula que determine que as obras, compras, serviços e alienações a serem realizadas por entes públicos ou privados, com os recursos ou bens repassados voluntariamente pela União, sejam contratadas mediante processo de licitação pública, de acordo com o estabelecido na legislação federal pertinente.
§ 1º Nas licitações realizadas com a utilização de recursos repassados nos termos do caput, para aquisição de bens e serviços comuns, será obrigatório o emprego da modalidade pregão, nos termos da lei 10.520, de 17 de julho de 2002, e do regulamento previsto no decreto 5.450, de 31 de maio de 2005, sendo preferencial a utilização de sua forma eletrônica, de acordo com cronograma a ser definido em instrução complementar.
decreto 10.024/19
Art. 1o. […]
§ 3º Para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns pelos entes federativos, com a utilização de recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, tais como convênios e contratos de repasse, a utilização da modalidade de pregão, na forma eletrônica, ou da dispensa eletrônica será obrigatória, exceto nos casos em que a lei ou a regulamentação específica que dispuser sobre a modalidade de transferência discipline de forma diversa as contratações com os recursos do repasse.

Importante destacar que embora o decreto 10.024/19 tenha ressalvado, de igual modo ao decreto anterior, a possibilidade excepcional de utilização do pregão presencial, quando devidamente justificado, a ênfase empreendida pela utilização do termo ¨obrigatório¨, no lugar de ¨preferencialmente¨, como exposto acima, torna, de antemão, a análise sobre a fundamentação da sua não utilização muito mais rígida. t

Note-se, ainda, que a obrigatoriedade é destinada a qualquer ente federativo que esteja utilizando, por meio de convênios ou contratos de repasse, recursos públicos federais. Portanto, o novo decreto passa a ter uma abrangência muito maior do que a mera regulação de uma modalidade de licitação para os serviços públicos federais.

A fim de auxiliar os municípios, Estados e Distrito Federal, ante à obrigatoriedade da utilização do pregão eletrônico, em caso de utilização de recursos advindos da união, o Governo Federal estabeleceu a possibilidade de cessão do seu sistema a estes entes federativos, já que um prazo para adequação será estabelecido pelo secretário de gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, conforme dispositivos abaixo transcritos:

Art. 52. Ato do Secretário de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia estabelecerá os prazos para implementação das regras decorrentes do disposto neste decreto quando se tratar de licitações realizadas com a utilização de transferências de recursos da União de que trata o § 3º do art. 1º.
Art. 56. A Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia poderá ceder o uso do seu sistema eletrônico a órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante celebração de termo de acesso.

Interessante perceber que o novo normativo trouxe um conteúdo bem mais explicativo, abordando diversas situações, não previstas no decreto anterior, como, por exemplo, a definição do que poderia ser contratado através da modalidade eletrônica e do que não poderia (art. 4o, do decreto 10.024/19).

A possibilidade do pregoeiro determinar a correção de propostas, sem que isso implique em adição de documentos novos, sempre fora objeto de muita discussão em licitações. É que quase sempre os licitantes discutiam se tal conduta representava uma violação ao Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório, posto que todas as regras já estariam dispostas no edital e que a eventual desobediência deveria ser punida pronta e severamente.

Tal questão ganhou expressa abordagem no art. 8o, XII, h), do novo decreto, através da inclusão da obrigatoriedade de constar na ata da sessão pública a decisão sobre o saneamento de erros ou falhas na proposta, sendo aberta a possibilidade, inclusive, para correção de documentação. Veja-se:

Art. 8º O processo relativo ao pregão, na forma eletrônica, será instruído com os seguintes documentos, no mínimo:
[…]
XII – ata da sessão pública, que conterá os seguintes registros, entre outros:
[…]
h) a decisão sobre o saneamento de erros ou falhas na proposta ou na documentação;

Tal questão fora reforçada, ainda, no art. 17, VI, do decreto em questão, quando fora abordada a competência do pregoeiro, conforme transcrito abaixo: 

Art. 17. Caberá ao pregoeiro, em especial:
[…]
VI – sanear erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos de habilitação e sua validade jurídica;

Merece igualmente destaque especial, o fato do novo decreto possibilitar toda a documentação do processo administrativo licitatório ser realizada exclusivamente por meio eletrônico, inclusive para fins de prestação de contas, consoante se depreende do dispositivo abaixo:

Art. 8o. […]
§ 1º A instrução do processo licitatório poderá ser realizada por meio de sistema eletrônico, de modo que os atos e os documentos de que trata este artigo, constantes dos arquivos e registros digitais, serão válidos para todos os efeitos legais, inclusive para comprovação e prestação de contas.

Outra inovação trazida pelo decreto 10.024/19 foi a necessidade de elaboração de estudo técnico preliminar na fase de planejamento do pregão eletrônico. Anteriormente, era possível encontrar, com certa frequência, processos licitatórios nesta modalidade, cujo estudo técnico preliminar inexistia. Veja-se o disposto no dispositivo supracitado:

Art. 14. No planejamento do pregão, na forma eletrônica, será observado o seguinte:
– elaboração do estudo técnico preliminar e do termo de referência;
II – aprovação do estudo técnico preliminar e do termo de referência pela autoridade competente ou por quem esta delegar;
III – elaboração do edital, que estabelecerá os critérios de julgamento e a aceitação das propostas, o modo de disputa e, quando necessário, o intervalo mínimo de diferença de valores ou de percentuais entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação ao lance que cobrir a melhor oferta;
IV – definição das exigências de habilitação, das sanções aplicáveis, dos prazos e das condições que, pelas suas particularidades, sejam consideradas relevantes para a celebração e a execução do contrato e o atendimento das necessidades da administração pública; e
V – designação do pregoeiro e de sua equipe de apoio.

Importa mencionar que, segundo o art. 3o do decreto em tela, o estudo técnico preliminar consiste no ¨documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação, que caracteriza o interesse público envolvido e a melhor solução ao problema a ser resolvido e que, na hipótese de conclusão pela viabilidade da contratação, fundamenta o termo de referência¨.

Outra novidade constante no decreto 10.024/19, diz respeito ao modo de disputa aberto e fechado1. Acostumamo-nos a acompanhar os modos de disputa abertos, onde os licitantes tinham conhecimento do menor lance até o encerramento do certame. No entanto, agora surge uma nova modalidade, onde os lances serão abertos apenas até o encerramento do prazo estabelecido no art. 33, § 1º. Encerrado o prazo de lances abertos, o sistema abrirá a oportunidade para que o autor da oferta de valor mais baixo e os autores das ofertas com valores até dez por cento superiores àquela possam ofertar um lance final, porém fechado, em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento deste prazo.

O decreto 10.024/19 aborda outro problema que constantemente tumultua os pregões eletrônicos: desconexão do sistema2. A norma indica que se a desconexão ocorrer apenas para o pregoeiro e for por tempo inferior a dez minutos, o certame segue normalmente. Caso seja por período superior, a sessão será suspensa e reiniciada somente após o decurso de, no mínimo, 24hs da comunicação do ocorrido, através do sistema.

Por fim, tem-se que o novo decreto trouxe expressamente a inexistência de efeito suspensivo para as impugnações ao edital, nos termos do seu art. 24, sendo a sua atribuição, medida excepcional. Veja-se:

Art. 24. Qualquer pessoa poderá impugnar os termos do edital do pregão, por meio eletrônico, na forma prevista no edital, até três dias úteis anteriores à data fixada para abertura da sessão pública.
§ 1º A impugnação não possui efeito suspensivo e caberá ao pregoeiro, auxiliado pelos responsáveis pela elaboração do edital e dos anexos, decidir sobre a impugnação no prazo de dois dias úteis, contado do data de recebimento da impugnação.
§ 2º A concessão de efeito suspensivo à impugnação é medida excepcional e deverá ser motivada pelo pregoeiro, nos autos do processo de licitação.
§ 3º Acolhida a impugnação contra o edital, será definida e publicada nova data para realização do certame. 

Embora tal disposição seja, no mínimo, polêmica, haja vista que poderá, em tese, gerar realização de sessões públicas, sem sequer haver análise de impugnações ao edital que lhe deu origem, conclui-se que o novo decreto avança em questões importantes, trazendo mais segurança para as licitações realizadas na modalidade pregão eletrônico. 

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1 – Art. 33. No modo de disputa aberto e fechado, de que trata o inciso II do caput do art. 31, a etapa de envio de lances da sessão pública terá duração de quinze minutos.

§ 1º Encerrado o prazo previsto no caput, o sistema encaminhará o aviso de fechamento iminente dos lances e, transcorrido o período de até dez minutos, aleatoriamente determinado, a recepção de lances será automaticamente encerrada.

§ 2º Encerrado o prazo de que trata o § 1º, o sistema abrirá a oportunidade para que o autor da oferta de valor mais baixo e os autores das ofertas com valores até dez por cento superiores àquela possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento deste prazo.

§ 3º Na ausência de, no mínimo, três ofertas nas condições de que trata o § 2º, os autores dos melhores lances subsequentes, na ordem de classificação, até o máximo de três, poderão oferecer um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento do prazo.

§ 4º Encerrados os prazos estabelecidos nos § 2º e § 3º, o sistema ordenará os lances em ordem crescente de vantajosidade.

§ 5º Na ausência de lance final e fechado classificado nos termos dos § 2º e § 3º, haverá o reinício da etapa fechada para que os demais licitantes, até o máximo de três, na ordem de classificação, possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento deste prazo, observado, após esta etapa, o disposto no § 4º.

§ 6º Na hipótese de não haver licitante classificado na etapa de lance fechado que atenda às exigências para habilitação, o pregoeiro poderá, auxiliado pela equipe de apoio, mediante justificativa, admitir o reinício da etapa fechada, nos termos do disposto no § 5º.

2 – Art. 34. Na hipótese de o sistema eletrônico desconectar para o pregoeiro no decorrer da etapa de envio de lances da sessão pública e permanecer acessível aos licitantes, os lances continuarão sendo recebidos, sem prejuízo dos atos realizados.

Art. 35. Quando a desconexão do sistema eletrônico para o pregoeiro persistir por tempo superior a dez minutos, a sessão pública será suspensa e reiniciada somente decorridas vinte e quatro horas após a comunicação do fato aos participantes, no sítio eletrônico utilizado para divulgação.

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Andrei Aguiar é sócio do escritório Aguiar Advogados, presidente da Escola Superior de Advocacia do Ceará ESA-CE e membro honorário vitalício do CESA/CE.

 

Publicado em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI315041,101048-Pregao+eletronico+e+as+inovacoes+trazidas+pelo+decreto+1002419

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